O território hoje conhecido como RDC foi conhecido pelos europeus em 1482, quando, na época dos chamados grandes descobrimentos, o navegador português Diego Cão descobriu a bacia do rio Nzadi, que se tornou mais tarde rio Congo, chamado também rio Zaire durante o regime do ditador Mobutu. Os portugueses ao chegar ao local quiseram saber como se chamava o rio e foi-lhes respondido Nzadi em língua quicongo, palavra que eles grafaram erroneamente Zaire, em português. No entanto, a exploração mais sistemática do rio e da região em todas as direções só foi feita quase um século depois, entre 1874 e 1878, pelo aventureiro e jornalista inglês Henry Morton Stanley. Enquanto isso, o rei belga Leopoldo I organiza em 1876 a Conferência Internacional de Bruxelas, durante a qual foi criada a Associação Internacional Africana (AIA), com o objetivo de abrir a bacia do Congo à civilização ocidental, ou melhor, à dominação ocidental. Em 1878, seu sucessor, o rei Leopoldo II, convida H.M.Stanley e confia-lhe a delicada missão de negociar a submissão dos chefes locais através de tratados de comércio, amizade e protetorado. O que foi conseguido sem que os chefes locais soubessem que se tratava na realidade da implantação de uma soberania estrangeira em seus territórios e não de amizade e protetorado.
Em 1883, a AIA é rebatizada Associação Internacional do Congo (AIC) pelo rei Leopoldo II com os mesmos objetivos proclamados: humanitários, filantrópicos, científicos e geográficos. Com base nessas preparativas, o rei Leopoldo II, dispondo dos serviços de H.M. Stanley, começou a organizar a primeira feitoria na desembocadura do rio, a partir da qual foi progressivamente preparado o sistema de exploração da região, A Conferência de Berlim que partilhou oficialmente a África iniciou seus trabalhos em novembro de 1884 e os concluiu em fevereiro de 1885. Na conclusão desses trabalhos de partilha entre as potências presentes em Berlim, estavam presentes também o rei Leopoldo II e o representante dos Estados Unidos, a AIC recebeu o estatuto e o nome de Estado Independente do Congo (EIC), sendo o rei Leopoldo II reconhecido oficialmente como seu único proprietário, a condição de deixar a bacia do Congo livremente aberta ao comércio internacional. O Estado Independente do Congo (EIC), 1885-1908 De fato, o Estado Independente do Congo não era independente. Era uma fatia do império leopoldiano no centro da África, um imenso latifúndio com uma superfície oitenta vezes maior que o território belga e quatro vezes o território da França. A Conferência de Berlim o consagrou oficialmente como propriedade pessoal do rei dos belgas.
Em 1º de julho de 1885 o parlamento belga ratifica oficialmente o reconhecimento do EIC como propriedade pessoal do soberano e não como uma colônia belga. O imperativo econômico foi a primeira motivação da aventura leopoldiana. A pedra angular da exploração econômica residia na atitude adotada a respeito da questão fundiária. A produção da colheita, as prospecções dos mineiros e a produção agrícola que seguiram depois, são apenas conseqüências dessa primeira atitude. O regime leopoldiano dividiu as terras em três categorias: as terras indígenas, as terras vacantes e as terras concedidas a terceiros, pessoas físicas ou jurídicas. Ao decretar propriedade do Estado as terras ditas vacantes, o rei impedia aos colonos se instalar nessas terras sem pagar algo para sua administração. No lugar dos proprietários autóctones, era o Estado que auferia os lucros da distribuição da terra. Assim, as terras vacantes eram divididas em terras não exploradas e em terras exploradas para permitir ao Estado financiar as despesas das primeiras instalações, além de obrigar aos autóctones a fornecer certas quantias dos produtos da colheita, como a borracha e o marfim. O impacto da política econômica de Leopoldo II foi uma catástrofe social para a população local, dona da terra.
Através das comissões de inquérito, ele foi denunciado até por seus compatriotas belgas. Essa trágica história tem seus fundamentos na concepção possessiva que o rei tinha do “seu” Congo. Da mesma maneira que todas as terras “vacantes” lhe pertenciam por “direito”, todas as populações que o azar da história havia colocado naquele território, constituíam elas também uma mão de obra vacante e disponível. Vacante porque sem proprietário (segundo ele) e disponível porque desocupada. Assim Leopoldo II se encontrava em situação extremamente privilegiada, em que o preço do custo constituía um lucro líquido porque não havia preço de compra a desembolsar. No entanto, a economia de auto-subsistência que prevalecia no seio daquelas populações não lhes impunha o regime de total repouso que existia na imaginação do rei. Os habitantes das aldeias tinham um calendário de trabalho que obedecia às exigências da natureza como a passagem das estações secas, chuvosas, quentes e úmidas durante as quais elas executavam sequencialmente uma série de atividades: plantação das roças, colheitas, caça, pesca, construção das habitações, resolução dos conflitos, atividades culturais ou ritos religiosos, etc.
As vida tornou-se mais difícil para eles, porque foram obrigados a transformar seu ritmo de trabalho para cumprir as obrigações de um colonizador. A primeira atividade rentável para o rei exigida dos autóctones foi o portage (transportador de carga), seguida imediatamente pelas corvéias para produzir comida e finalmente as colheitas de borracha, ponto crucial do terror leopoldiano, e de marfim.
O portage foi um verdadeiro inferno. As populações submetidas brutalmente a um ritmo de trabalho de uma intensidade inabitual reagiam pela lentidão na execução das tarefas cuja finalidade não compreendiam e cuja motivação não dispunham. Não era do interesses delas transportar caixas , ir e voltar sobre os mesmos passos, daí a falta de pressa e a lentidão como reação que levaram os colonizadores a tratá-las como preguiçosas e congenitamente pouco dispostas ao trabalho. O que nos lembra o mito do negro preguiçoso que servia como justificativa da violência colonial em toda a África negra. Mas para Leopoldo II, o problema era simples. O trabalho devia absolutamente ser executado como nos tempos de guerra, para recuperar o tempo perdido e os recursos investidos durante a primeira década da experiência. Era preciso fazer rapidamente a riqueza. Para levar os congoleses a um maior rendimento, instalou-se o imposto. Como a moeda ainda não havia sido introduzida, o imposto devia ser pago em natureza ou em trabalho. Nesse sentido, o portage foi a forma mais utilizada para saldar o fisco. Na ausência da roda e das bestas de carga, o portage na cabeça, no ombro e no dorso dos homens e das mulheres era uma necessidade absoluta. Sem dúvida,o portage tal como descrito já estava em uso na região bem antes da chegada dos invasores, mas o que foi inovado com a chegadas dos estrangeiros, antes árabes e depois europeus, foi o portage para longas distâncias e a imposição de pesos superiores à norma tradicional. Os pacotes a serem transportados por pessoa ultrapassavam muitas vezes 40 Kg. Diante dessas dificuldades, às quais se acrescentavam as intempéries, a falta de comida e de abrigos durantes as longas viagens em caravanas sob a vigilância dos capatazes, as pessoas começaram a recusar-se a aderir ao portage voluntariamente, recorrendo à fuga. O que obrigou Leopoldo II a impor o portage,ou seja, torna-lo uma obrigação submetida à vontade dos europeus A imposição se fazia através de ameaça com fuzil, com prisão e pagamento de multa.
As corvéias para comida Além de serem submetidos a um regime de sanções repressivas em matéria de portage, os autóctones congoleses foram também submetidos a uma outra tarefa obrigatória da qual não tinham como fugir: era preciso fornecer a comida a todos os europeus que sulcavam os rios com seus soldados, transportadores e outros auxiliares constrangidos a viver uma vida ambulante, sem poder ocupar-se com a agricultura, a caça e a pesca. As corvéias para alimentar os estrangeiros obrigaram também os congoleses dessa época e rever e mudar repentinamente seu ritmo de produção de alimentos até então regulado com base no seu próprio consumo. As mudanças impostas eram tão brutais que eles não conseguiam se adaptar. As populações ribeirinhas eram mais expostas que as outras a essas exigências intempestivas dos visitantes estrangeiros. Às vezes em ausência de provisões, elas se viam obrigadas a comprá-las em outros lugares e oferecê-las aos visitantes por medo das represálias. Para se libertarem dessa situação, muitos buscavam refúgio nas zonas não ribeirinhas. Assim, as margens dos rios se esvaziavam em proveito da hinterlândia. Porém, essa estratégia era apenas um sursis, pois não havia como escapar totalmente das obrigações da nova ordem. A expressão popular brasileira “se correr o bicho pega, se parar o bicho come” traduz melhor as duras realidades dessas populações diante de um invasor mais potente. A colheita da borracha A maior hecatombe, a página mais triste e sangrenta da história do Estado Independente do Congo foi causada pela colheita da borracha. Na realidade, a colheita da borracha era apenas a conseqüência da lógica implacável do sistema econômico leopoldiano. O Estado havia se declarado o proprietário das terras vacantes. Ora, os produtos mais lucrativos como o marfim e principalmente a borracha se encontravam essencialmente nessas terras.
Assim pertencia exclusivamente ao Estado a borracha que fosse colhida nessas terras vacantes, que aliás ocupavam a maior parte do território. A partir de 1891-92, o Estado começou a colher sua borracha usando a mão de obra autóctone a titulo de imposto pago pelo trabalho. Os agentes do Estado eram encarregados de vigiar os trabalhos de colheita. Para que não se afastassem desse objetivo, eles eram avaliados, promovidos e até remunerados em função de sua capacidade de fazer produzir a borracha. Assim, a possibilidade de fazer fortuna foi ofertada não apenas ao Estado, mas também aos indivíduos a serviço do rei. Para o submisso congolês, a metade da borracha por ele colhida era destinada ao pagamento do imposto, a outra metade lhe pertencia em princípio, mas lhe era comprada a um preço irrisório. Por isso, ele preferia sua liberdade a esse salário de miséria que não lhe permitia uma vida decente em sua aldeia. Para obter as prestações desejadas, os agentes do Estado dispunham de toda uma gama de meios de constrangimento e repressão: eles podiam vigiar as aldeias por soldados colocados à disposição no local; podiam usar o chicote ou tomar como reféns os familiares dos fugitivos, ou ainda organizar expedições punitivas.
O crime da administração leopoldiana foi matar e fazer matar pessoas cujo único “erro” tinha sido a incapacidade de atingir a quantia da colheita desejada. As atrocidades cometidas foram objeto de diversas testemunhas desde 1895. Os fuzilamentos, enforcamentos e mutilações de membros eram corriqueiros. Não se mutilavam apenas os mortos, mas também os vivos. O número de mãos mutiladas servia como troféu e signo de bravura. A conseqüência O efeito mais imediato dessas numerosas agressões se manifestou por uma baixa na demografia. Diversas estimativas foram feitas para avaliar o povoamento no período do EIC. Stanley, levado ao exagero, estima que o alto-rio sozinho tinha 43 milhões de habitantes, na realidade 29 milhões se se corrigir os erros de cálculo que conduziram a esse número. Wissmann confirma ter encontrado no Kasai aldeias cuja travessia levava quatro ou cinco horas... (NICOLAI, H.1988:25-31, ap. NDAYWEL, 1998:344).
Embora essas estimativas sejam majoritariamente fantasiosas, o número mais realista seria talvez a média que pode ser calculada a partir das diversas tentativas de contagem feitas sobre esse período. Com base nessa média, estima-se que o Congo de 1880 tinha uma população global de 25 milhões de habitantes (MASSOZ, 1988:575, ap. NDAYWEL, ibid.) Qual foi o nível de povoamento no decorrer dos anos que se seguiram, mais particularmente na década seguinte? Sabe-se que por volta dos anos 1925-26, a população era um pouco mais de 10 milhões de habitantes; esse número é obtido com base nos documentos de recenseamento administrativo daqueles anos, ajustados em 1953 e corrigidos em 1987. Por volta dos anos de 1890, ou seja, 35 anos antes, supunhase que a população total oscilava entre 7 e 8 milhões, pois em 1930, cinqüenta anos depois do ano básico de 1880, a população total era de apenas 10.252.515 habitantes; em 1953, era de 10.206.381 para passar, dez anos depois, em 1945, a 11.206.034. Era preciso esperar 1975 para que o Congo recuperasse o número da população que tinha por volta de 1880 (SAINT MOULIN, 1987:390-91, ap. NDAYWEL, ibid.). Isto significa que entre 1880 e 1908, cerca de 13 milhões de vidas humanas foram sacrificadas. O que representa um tributo de acesso à “civilização” excessivamente pesado. (ver NDAYWEL, 1998).
O Congo Belga (1908-1960) A colonização foi vivida por etapas sucessivas durante as quais mudou de estatuto político e de nome: de Estado Independente do Congo, mudou para Congo Belga. O Estado Independente do Congo era uma colônia sem metrópole, ou seja, uma colônia cuja metrópole era um indivíduo e não uma nação (VELLUT, 1984:672, ap. NDAYWEL, op.cit. p.309). Em 1908, isto é, 23 anos depois, o rei Leopoldo II deu de presente para a Bélgica sua ‘propriedade’ congolesa que desde então tornou-se uma colônia belga com nome oficial Congo Belga, constitucionalmente regulamentado por uma disposição chamada Carta Colonial. Apesar de ter sido submetido a dois estatutos jurídicos diferentes, de 1885 a 1908 (Estado Independente do Congo) e de 1908 a 1960 (Congo Belga), o país viveu na realidade nessas duas etapas (80 anos), um único e mesmo estado de colonização numa evolução linear caracterizada pela instalação de um novo sistema de organização e gestão do espaço. De modo geral, a colonização belga é considerada, de acordo com a documentação disponível, a mais cruel e a mais brutal de todas na África negra. Na prática, mesmo a discriminação racial anglo-saxônica considerada como a mais feroz, nunca produziu tantas leis discriminatórias, nem adotou medidas de segregação tão rígidas como a tutela belga. O ensino dispensado aos congoleses exclui sistematicamente a formação de elite.
A pirâmide escolar compreendia um ensino primário largamente difundido (talvez fosse o mais extenso de toda a África), coroado por um ensino secundário muito reduzido e orientado para o exercício de uma profissão. O ensino universitário era inexistente, pois construir universidades e dar direitos políticos aos negros, na cabeça pensante do político colonial belga seria favorecer a formação dos descontentes e agitadores. Quando o país recebeu sua independência em 30 de junho de 1960, tinha apenas 09 jovens universitários, entre os quais um graduado em psicologia na própria metrópole e oito graduados em ciências sociais (sociologia, ciência política e administração???). Não havia um único diplomado universitário em direito, medicina, ciências exatas e naturais, numa população de 14 milhões de habitantes. Para os congoleses não existia nenhuma formação política, nem a liberdade de imprensa e de associação. Em meados de 1959 um jovem congolês foi condenado a três meses de prisão porque foi descoberta na sua pasta um exemplar do jornal comunista belga, Le Drapeau Rouge, já bastante velho. Qualquer viagem interna no país fora da cidade ou aldeia de origem só podia ser feita com a autorização dos serviços de imigração coloniais. As viagens para o exterior da colônia eram impensáveis. Por trás dessa política havia a idéia geral segundo a qual:
“o pensamento e o comportamento das massas são maleáveis e podem ser refundidos à vontade por uma elite benevolente, sábia e perfeitamente preparada; o interesse primordial da massa é o bem estar material e os bens de consumo – o futebol e a bicicleta – e não a liberdade” (Hodgkin, Thomas. Nacionalism in Colonial África. Londres: Frederic Muller, 1956, ap. Jules Chomé, 1975:13).
Essa lógica, embora coerente,não podia a longo prazo impedir a formação da consciência política de um povo subjugado, humilhado e cuja identidade humana foi negada, apesar de isolar o Congo do resto do mundo e privando-o de todos os meios de comunicação e de todos os contatos (Jules Chomé, op.cit. ibid.) Foi o que aconteceu mais cedo do que previsto.
A Independência da República Democrática do Congo A história da descolonização belga começou efetivamente a partir de 1955, com a visita a Leopoldville (atual Kinshasa) do rei dos belgas, Balduíno I. Os africanos do então Zaire esperavam dessa visita real palavras e promessas que mostrassem preocupações do soberano com a vida de seus administrados. Esperavam uma melhora sensível de suas condições de vida, o desaparecimento gradual da segregação racial e uma mudança geral de sua condição de colonizados. Infelizmente, em seu discurso, o rei limitou-se a apelar a uma união mais íntima e estreita entre a Bélgica e sua colônia e a invocar a mística comunidade de destino que ligava uma a outra. Em dezembro do mesmo ano, Van Bilsen, um professor belga, publicou um estudo que teve muita repercussão tanto na metrópole como na colônia. As conclusões de seu estudo apresentavam três propostas distintas: a metrópole e a colônia deviam começar a se habituar à idéia de uma independência gradual (sem propor nenhuma data, a independência era fixada como último objetivo da evolução das relações belgocongolesas); a Bélgica devia sem demora começar a formação dos quadros congoleses para dar fundamento à transferência gradual das responsabilidades; tendo em vista a extensão territorial da colônia e a extrema diversidade de sua população, devia ser pensada para o Congo independente uma constituição federal que respeitasse as particularidades étnicas, econômicas, sociais e políticas das regiões. No pensamento de Van Bilsen esse plano de emancipação política da África belga levaria trinta anos para se efetivar.
Em 1º. de julho de 1956, um grupo de intelectuais reunidos em torno do periódico Consciência Africana publicou um manifesto no qual expressava claramente sua recusa à dominação belga e a qualquer evolução que tendesse a incluir seu país no Estado belga unitário ou na Comunidade Belgo-Congolesa tal como foi preconizada pelo rei em seu discurso pronunciado na primeira visita a Leopoldville, em 1955. Esse grupo de "intelectuais", composto de jovens professores primários, jornalistas e funcionários da administração colonial, se opôs também nesse manifesto a qualquer reforma que fosse unilateralmente imposta, isto é, que não contasse com sua participação. Pela primeira vez também um grupo ousou tornar nitidamente posição em favor de uma emancipação política completa, com essa acomodação provisória prevista, dentro de uma evolução planejada com duração de trinta anos. O que foi uma influência direta das conclusões do estudo do professor Van Bilsen. Poucas semanas depois da publicação do manifesto, o Abako, uma associação cultural do grupo étnico bacongo, fundada em 1950 com o objetivo de unificar, conservar, aperfeiçoar e difundir a língua quicongo na África central, transformou-se rapidamente em partido político de fato. Em 23 de agosto de 1955, essa associação publicou um contramanifesto no qual exigia uma verdadeira politização do Congo Belga pela introdução de uma pluralidade de partidos políticos. Dentro dessa temática central da politização verdadeira, ou seja, a emancipação política, os membros do Abako se posicionaram claramente sobre três pontos: o prazo (emancipação política já); a estrutura (federação congolesa com bases étnicas); as relações com a Bélgica (rejeição da Comunidade Belgo-Congolesa). Em outros termos, o Abako rejeitou tanto a idéia da Comunidade Belgo-Congolesa contida no discurso do rei quanto o plano de trinta anos proposto pelo estudo de Van Bilsen, mantendo deste somente a proposta de urna formação política federativa. Em 1957, o poder colonial belga organizou, pela primeira vez na história do Congo Belga, uma eleição popular.
Por decreto governamental de 26 de março de 1957, o governador-geral do Congo Belga e de Ruanda-Burundi foi autorizado a promover eleições municipais em alguns centros urbanos. Assim, as grandes cidades foram divididas em municipalidades, africanas e européias. Cada municipalidade devia então eleger seus conselheiros, deixando ao governador da província a prerrogativa de nomear o prefeito. No entanto, as eleições municipais não tiveram o resultado que o poder colonial esperava. Em vez de acalmar as reivindicações populares, conseguiram atiçá-las. Alguns acontecimentos no ano de 1958 contribuíram para a aceleração do processo da independência do antigo Congo Belga. Primeiro, a organização, em Bruxelas, de uma exposição mundial em que os pavilhões representando as diferentes regiões do Congo Belga, de Ruanda e do Burundi reuniram centenas de africanos. Pela primeira vez na sua história, os representantes de várias etnias e grupos culturais que nunca haviam se encontrado em seu próprio território estavam ali reunidos. Assim foram feitos os primeiros contatos diretos entre chefes de etnias, líderes políticos, sindicalistas e jovens professores primários de diferentes províncias e regiões. Os ativistas das cidades começaram a tomar conhecimento das preocupações dos habitantes do campo e estes sentiram o choque sensibilizante e conscientizador das idéias desenvolvidas pelos líderes das cidades. Segundo, a visita do general De Gaulle a Brazzaville, capital da atual República Popular do Congo. Em seu discurso de 24 de agosto de 1958, De Gaulle oferecia às colônias francesas a independência "a quem quiser pegá-la". Esse discurso foi acompanhado com grande atenção e interesse na capital do vizinho Congo Belga, cujos líderes políticos mandaram, dois dias depois, uma moção ao ministro do Congo, Pétillon, exigindo uma declaração de intenção do governo belga, fixando as etapas progressivas da descolonização e da emancipação total do Congo. Muito importante: os chefes das principais organizações políticas assinaram juntos esse documento, cumprindo pela primeira vez uma ação comum em beneficio de sua libertação, apesar de suas divergências. Terceiro, a organização em Acra, capital de Gana, do Congresso Pan-Africano. Nesse congresso, o povo congolês foi representado pelos líderes do MNC (Movimento Nacional Congolês), dirigido por Patrice Emery Lumumba, que aí obteve um impressionante sucesso pessoal. Eleito membro do secretariado permanente do congresso, Lumumba conquistou a estima e a simpatia dos outros grandes líderes africanos, como Nasser, Nkrumah e Seku Turê. Seu discurso expressava o primeiro programa de ação estabelecido por um líder congolês contra o poder colonial: "Abaixo o imperialismo, abaixo o racismo, o tribalismo; viva a nação congolesa, viva a África independente". De volta a Kinshasa, Lumumba foi recebido como herói nacional. Ele repetiu o discurso perante uma multidão de congoleses, reiterando dessa vez a reivindicação de independência imediata. Em 4 de janeiro de 1959, os militantes da associação política Abako deviam se reunir na propriedade de um belga. Depois de ter dado a sua permissão, o responsável pelo local mudou de idéia no último minuto e pediu aos congoleses que procurassem um outro lugar para realizar sua reunião.
A recusa originou uma disputa que degenerou em briga, na qual a polícia interveio, abrindo fogo: matou 49 africanos e feriu 101. Entre os europeus houve apenas 15 feridos graves, segundo o jornal Courrier d’Afrique. Como reação oficial aos incidentes, o rei Balduíno fez um discurso no qual lembrou os motivos da colonização belga na África: abrir o Congo Belga à civilização européia. No entanto, ele reconheceu nesse discurso que o desfecho da evolução congolesa devia ser a independência. O ano de 1959 foi marcado por manifestações que muitas vezes degeneravam em tumultos populares e combates de rua. Em algumas cidades importantes os conflitos explodiram entre membros de grupos étnicos diferentes ou irmãos, atiçados pelo próprio colonizador dentro da velha ideologia de "dividir para reinar". Por fim, as autoridades coloniais não pouparam esforços para responsabilizar e incriminar Lumumba, cujos discursos, segundo elas, fomentavam os tumultos e as brigas de rua, o que resultou em sua detenção e encarceramento em 1º. de novembro de 1959. Finalmente, as autoridades belgas decidiram convocar todos os chefes políticos congoleses a uma mesa-redonda organizada em Bruxelas, de 20 de janeiro a 20 de fevereiro de 1960. Já na abertura da conferência, uma fração dos participantes belgas estava decidida a conceder a independência a curto prazo. Os hesitantes foram logo obrigados a aceitar, encurralados pelas ameaças, impaciência e firmeza das propostas dos líderes africanos. A data da independência foi fixada em 30 de junho de 1960, surpreendendo a opinião internacional. Como dizia o professor Jean-Marie Bustin, "a independência do antigo Congo Belga foi um truque, pois antes da reunião da mesa-redonda de Bruxelas os mais influentes políticos, comerciantes e empresários belgas já andavam com a data de 30 de junho nos bolsos de seus paletós". A retirada brusca dos belgas surpreendeu o mundo porque aparentemente a sua dominação não sofria ameaça real em nenhuma região do Congo Belga; a oposição nacionalista congolesa era puramente verbal; nenhum movimento revolucionário tinha recursos; nenhum exército de libertação lutava contra o exército colonial; em nenhum lugar nas cidades uma greve geral efetiva ameaçava a economia colonial. A mesa-redonda decidiu que o Congo Belga independente seria uma república parlamentar, com um forte governo central e seis governos provinciais. Uma constituição provisória chamada Lei Fundamental foi instituída para assegurar a transição. As eleições nacionais e provinciais foram organizadas em maio de 1960, e Joseph Kasa-Vubu tornou-se o primeiro presidente da República e Patrice Lumumba o primeiro-ministro e chefe do governo. Por que a independência prometida em quatro anos foi outorgada em seis meses? A pressa se explica em parte pela pressão exercida pelos líderes congoleses, mas também por um cálculo maquiavélico orquestrado por uma ala da política belga e os representantes dos meios de negócios. Os líderes africanos queriam imediatamente sua independência; os meios políticos belgas de acordo com seu cálculo maquiavélico resolveram outorgar-lhes a independência no justo momento que eles não saberiam como e o que fazer com ela, pois não havia nenhum quadro administrativo africano experiente e competente. Bem! Não tendo um quadro administrativo experiente, o governo independente ia necessária e absolutamente precisar ainda por certo tempo do quadro administrativo colonial composto de brancos. A mesma dificuldade se colocava no plano militar que até então contava somente com o comando dos oficiais belgas. Estando a administração pública e o exército ainda inteiramente nas mãos dos colonizadores de ontem, os governantes de hoje não tinham outra saída a não ser curvar-se a uma situação de continuidade, ou seja, de uma independência fictícia e nominal. Mais do que isso, lembramos que na data de proclamação da independência em 30 de junho de 1960, o país tinha apenas nove jovens universitários inexperientes recém-formados que por mais competentes e voluntaristas que fossem não seriam numericamente suficientes para administrar um país tão grande territorialmente. Caos pós-independência, ascensão de Mobutu e assassinato de Lubumba Como já foi dito, a única força armada sobre a qual o governo congolês podia se apoiar era somente a força pública colonial, que não dispunha de um único oficial congolês em sua hierarquia de comando. Logo, os soldados congoleses se deram conta de que a independência do pais não havia trazido nenhuma mudança para eles. Era previsível que não iriam aceitar o destino a eles reservado. Em conseqüência, se amotinaram exigindo a revogação do general belga Janssens e a africanização dos quadros de comando. Diante desse clima de revolta, que repercutiu em todos os quartéis, Patrice Lubumba, então primeiro-ministro decide em seu discurso dirigido às tropas em 5 de julho de 1960, oferecer uma promoção automática na posição superior a todos os soldados. A oferta foi considerada insuficiente porque a posição de suboficial, a mais elevada ocupada pelos congoleses não os colocaria realmente numa posição de comando. O movimento de reivindicação obrigara ao governo recém-empossado a retirar o comando das tropas das mãos dos belgas e a africanizar os quadros superiores do comando. Foi nesse contexto que Joseph Mobutu que anos atrás tinha sido promovido sargento e contador-datilógrafo da força pública, foi nomeado coronel chefe do Estado-maior. O motim foi apenas a ponta do iceberg de uma situação caótica colossal por vir, pois em 11 de julho de 1960, Móis Tshiombé, governador da província de Katanga, proclama no microfone de Rádio-Elisabethville a secessão dessa província e sua constituição num Estado independente. Alegou como motivo a desorganização da República do Congo e o recurso aos métodos das ditaduras comunistas utilizado pelo governo central.
A secessão de Katanga coincidiu com os motins em quase todos os grandes centros do país, pelos motivos já evocados. Os motins escaparam do controle de seus instigadores, degerando rapidamente fora dos quartéis e infestando algumas cidades onde começou-se a pilhar indistintamente brancos e negros. Lumumba não foi capaz de controlar o movimento, pois apenas algumas unidades do exército podiam lhe obedecer. O Estado secessionista se consolida rapidamente. No Katanga como em outras partes do Congo, as tropas belgas entraram em ação para proteger os bens e as vidas da população branca. Os pára-quedistas belgas da base aérea de Kamina (Katanga oriental) intervieram em 9 de julho. Em 11 de julho, Moïs Tshiombé ratifica a intervenção belga através de um recurso ao governo de Bruxelas. Nesse momento, todos os pontos estratégicos do país já estavam sob o controle das tropas belgas. Os reforços continuavam a chegar via aérea a Kamina e a Elisabethville. Em 12 de julho M. Tshiombé nomeia o comandante belga Weber coordenador militar do Estado secessionista, conferindo-lhe plenos poderes.
Em 9 de setembro de 1960, D. Hammarskjold, secretário-geral da ONU decide o envio dos capacetes azuis para ocupar o aeroporto de Elisabethville, com a ordem de fechá-lo a todos os aviões, salvo os das Nações Unidas. Até nesse momento, os oficiais belgas, os expertos civis, as armas e os aviões militares chegavam ao Katanga num fluxo ininterrupto. Nesse único período de 1 de julho a 9 de setembro de 1960 mais de cem toneladas de armas foram entregues (Ver Jules Chomé,1975 e Jean Ziégler, 1964). A secessão de Katanga teve como conseqüência direta a privação da República do Congo de 45% de sua renda nacional, contribuindo para a desintegração da economia nacional já no primeiro mês da independência. Mas, as conseqüências indiretas talvez fossem as mais importantes, pois a secessão de Katanga encorajou a dissidência de outras forças centrífugas. – ABAKO (partido político de base étnica bacongo) atacou abertamente Lubumba. Joseph Kasa-Vubu, chefe da ABAKO e presidente da República, decretou a dissolução do governo nacional revogando Lubumba, apesar deste ter ainda a maioria no parlamento. Lubumba recusa sua demissão e por sua vez revoga o presidente da República.
Em 17 de setembro, Lubumba foi detido e colocado em prisão domiciliar pelas tropas de Joseph Mobutu. As Nações Unidas, em nome da doutrina de não intervenção recusam-se a salvar Lubumba, consentindo implicitamente com o fracasso do seu governo. A desintegrarão do Estado precipitou-se em grande velocidade. As províncias de Katanga e de Kasai já estavam em secessão aberta; a província de Bakongo em secessão virtual; a província oriental por sua vez ameaçava de se separar da República. Em 14 de setembro de 1960, Lumumba é fisicamente imobilizado e seu fracasso consagrado pela detenção. Sua fuga e captura, sua transferência para o Katanga e seu assassinato em 17 de janeiro de 1961, fazem parte da tragédia da República do Congo. Assim se encerra a tentativa revolucionária de Patrice Lubumba. Ele se tornou herói nacional de uma revolução e de uma independência que não se concretizaram. De acordo com Jean Ziégler, se definirmos o poder político como exercício de autoridade legítima de alguns sobre todos, podemos constatar que na sociedade congolesa durante o período que vai da detenção de Lumumba em 14 de setembro de 1960 à posse do novo primeiro ministro C. Adoula em 1 de agosto de 1961, nenhuma autoridade legítima no sentido concreto do termo, existiu. O parlamento, apesar de não ser dissolvido, implodiu em facções rivais sem diálogo; o governo central foi disperso; Lumumba estava em prisão, Seu sucessor nomeado pelo presidente da república foi destituído pelo exército. O colégio dos comissários instalados por Mobutu com funções de ministros se desfez rapidamente. O próprio exército se desintegra por sua vez em facções rivais. O consenso fundamental, condição indispensável para a existência de uma sociedade fazia falta. A anarquia, entendida como antítese do fato social dominava a situação congolesa. E quando falta o consenso, não existe autoridade, nem a legitimidade. Tendo em vista que a autoridade e a legitimidade formam dois elementos constitutivos da definição do poder, houve então um vacuum de poder no Congo que foi preenchido pela presença ativa das Nações Unidas durante quase dez meses (Jean ZIÉGLER, op.cit., p.215-218).
A ditadura de Mobutu Sese Seko e Laurent-Désiré Kabila Depois do assassinato de Patrice Lumumba em 17 de janeiro de 1961, vítima da conspiração entre Mobutu, os líderes da secessão de Katanga, a Bélgica e outros países ocidentais, o caos aumentou. As rebeliões explodiram em várias províncias: norte de Katanga, Kwilu, Kivu, etc. Essas rebeliões contavam com a ajuda de mercenários e das tropas belgas. A situação é gravíssima entre 1961–1965. Mobuto consegue manobrar e reorganizar o exército nacional. Manda formar jovens oficiais em vários países ocidentais, até em Israel onde foram formadas as tropas de elite da guarda presidencial. Com a ajuda dos mercenários, consegue sufocar todas as forças rebeldes, pacificar e unificar o país. Em 1964, ele neutraliza o presidente da República Joseph Kasa-Vubu e convida Móis Tshombé, ex-secessionista de Katanga para formar novo governo como primeiroministro. Foi nesse mesmo ano que o Congo-Léopoldville foi rebatizado República Democrática do Congo. Em 1965 Mobutu torna público seu golpe militar e se auto-proclama presidente da segunda República do Congo; elimina gradualmente todos os vestígios da democracia. Ele procede à eliminação física sistemática de todos seus oponentes, reais ou fictícios.
Em 1970 ele extingue todos os partidos políticos e cria um partido único chamado Movimento Popular da revolução (MPR) do qual é presidente e do qual todos os cidadãos congoleses são automaticamente membros. Para ilustrar mais sua revolução, ele rebatiza o país, a moeda nacional e o rio Congo, que passa a se chamar Zaire a partir de 1971; obriga todos os cidadãos congoleses a abandonar os nomes ocidentais recebidos no batizado ou em outra circunstância e a substituí-los por nomes autenticamente africanos. Ele unifica também no mesmo ano as três universidades existentes e os institutos superiores e cria uma única universidade, a Universidade Nacional do Zaire – UNAZA – cujos reitor, Vice-reitores e membros do conselho administrativo são nomeados por ele. 1 Rebeliões sufocadas, país unificado e pacificado, os inimigos políticos eliminados e os que escaparam vivos no exilo político no Exterior, as universidades e institutos do ensino superior sob controle, os jovens enquadrados no Movimento da Juventude do Movimento Popular da Revolução (JMPR), os adultos também enquadrados no MPR, etc., Mobutu estava sozinho como mestre absoluto do seu Zaire. “Le Zaire c´est moi” (O Zaire sou eu), essa bela frase cuja autoria lhe foi atribuída aproxima Mobutu de Louis XIV que teria também dito que “la France c´est moi” (A França sou eu). Os ocidentais se convenceram de que era realmente o homem forte do Zaire com quem deveriam alinhar-se para salvar seus interesses capitalistas no coração do continente africano. Com a ajuda da guerra fria e o avanço dos movimentos socialistas nos países vizinhos (Angola, República do Congo-Brazzaville, Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné Conacri, Benin, etc..) não faltou quem apoiasse o regime ditatorial de Mobutu nos países ocidentais: Bélgica, França, Alemanha, Estados Unidos, etc., mesmo sabendo que seu regime era corrupto, fascista, sanguinário e antidemocrático.
Entre 1973-1975, a situação econômica do país começa a mostrar fortes indícios de deterioração devida em parte à nacionalização do comércio por Mobutu para beneficiar seus fiéis seguidores e alargar seu clientelismo político.
Em 1977, devido a um colapso dos preços do cobre no mercado internacional, as condições econômicas pioram. Nesse mesmo ano os ex-gendarmes de Katanga exilados em Angola após o fim da secessão de Katanga invadem a província de Shaba (ex-Katanga) e são sufocados graças à intervenção das tropas da França e do Marrocos. No ano seguinte, 1978, uma segunda invasão dos ex-gendarmes katangueses na mesma cidade, Kolwezi (província de Shaba), é reprimida com a ajuda das mesmas tropas estrangeiras. Enquanto isso, a crise econômica tende a piorar, os líderes oposicionistas que tentam se manifestar são presos, alguns são mortos. O movimento de anistia internacional intensifica acusações de violação de direitos humanos no Congo. As manifestações estudantis em Kinhasa e Lubumbashi (os dois centros universitários mais importantes) são violentamente reprimidas com o massacre de 150 estudantes em 1990.
Em 1991-1993, pressionado até por seus aliados ocidentais, Mobutu cria uma nova legislação autorizando a volta da pluralidade partidária, intervindo até na proliferação de pequenos partidos políticos por ele criados e financiados com fins de manipulação. Enquanto isso, a crise econômica se aprofunda, os protestos e manifestações de rua se multiplicam, as medidas repressivas se intensificam com prisões e mortes. Obrigado a recuar pela situação insustentável no plano nacional e internacional, Mobutu convoca em 1993 uma Conferência Nacional soberana com a missão de resolver a crise e preparar o país para um novo governo. Parece que era para ganhar tempo, pois as manipulações para continuar a controlar o terreno não paravam. Nominações e demissões sucessivas, jogo para opor e dividir os melhores líderes da Conferência Nacional deixavam claro que Mobutu não desistira de sua posição de mestre do Zaire.
Entre 1996-1997 Mubutu foi obrigado a retirar-se momentaneamente do poder para cuidar da saúde na Suíça. Estava com um câncer de próstata bastante avançado. Seu fiel primeiro-ministro Kengo Wa Ndondo não foi capaz de controlar a situação explosiva no norte do país e no Kivu. Mobutu é obrigado a retornar, mas suas forças já bastante minadas pela doença não lhe permitem mais o controle da situação como o fazia antes. Enquanto os líderes investidos na Conferência Nacional e os partidos políticos de oposição mais representativos tentavam reconstruir a ordem e recolocar o país em funcionamento, explode uma ‘bomba’: a AFDL (Aliance des Forces Democratiques pour la Libération du Congo), conduzida por Laurent-Désiré Kabila, estava entrando pelo leste do país na fronteira com Uganda, Ruanda e Burundi para libertar o Zaire da ditadura de Mobutu Sese Seko. As tropas de Mobutu corroídas pela corrupção correram em debandada sem resistência, deixando as forças de AFDL ocupar as cidades de Goma e Bukavu, por onde começaram a marcha em direção à capital, Kinshasa. Mobutu tenta em vão ensaiar algumas manobras, até um encontro com Laurent Kabila no seu barco presidencial, encontro esse mediado por Nelson Mandela para buscar um desfecho pacífico.
Em 16 de maio de 1997, Mobutu totalmente derrotado e informado da entrada triunfal das tropas rebeldes em Kinshasa, organiza sua fuga para Marrocos, onde morre no exílio político em setembro do mesmo ano. Um dia depois de sua fuga, em 17 de maio de 1997, as forças de AFDL ocupam Kinshasa. Laurent-Désiré Kabila se autoproclama presidente da República Democrática do Congo. Fecha todos os partidos políticos e as instituições existentes, proibindo o exercício de qualquer atividades de caráter político, salvo as do poder judiciário. Assim nasce uma nova ditadura num país rebatizado República Democrática do Congo pelo próprio Presidente Kabila. Isto vai gerar protestos dos partidos que, além de serem proibidos, não tiveram representação nos escalões do governo nacional. Os desentendimentos entre Kabila e seus aliados tutsi, ou melhor, seus aliados de Ruanda, Burundi e Uganda vão desembocar numa nova rebelião anti-Kabila fomentada por seus antigos companheiros de armas de AFDL. Essa rebelião que entra em ação em 2 de agosto de 1998, é conduzida pelo movimento Rassemblement Congolais pour la Démocratie et la Libération du Congo (RCD), numa aliança com as tropas de Ruanda e Uganda que vai atacar o leste do país para poder capturar a cidade de Matadi, a central hidroelétrica de Ingá e daí marchar em direção à capital, Kinshasa. As tropas de Angola, Namíbia e Zimbábue chamadas para socorrer o governo de Kabila conseguiram a tempo deter o avanço do RCD. Um outro movimento de rebelião chamado Movimento de Libertação Congolês (MLC) abre uma outra frente de resistência no leste contra as tropas governamentais. As atrocidades cometidas pelas tropas do governo, pelos rebeldes e seus aliados ruandeses, burundeses e ugandeses provocaram um imenso deslocamento das populações nas zonas de conflitos. As estatísticas sobre o número de mortes são alarmantes. Há quem afirme que cerca de 3,5 milhões de pessoas já teriam morrido nessa guerra, número considerado como o segundo genocídio depois da Segunda Guerra Mundial.
Em agosto de 1999, uma comissão especial das Nações Unidas é enviada com urgência ao local para examinar a situação, que emite um relatório contundente lamentado as violações dos direitos humanos por todas as facções em guerra. Laurent Kabila, acuado, autoriza o retorno dos partidos políticos, a abertura de novos partidos e o exercício público de suas atividades. Ele dissolve seu próprio partido Aliance des Forces Democratiques pour la Libération du Congo (AFDL), cria um novo: Comitê du Pouvoir du Peuple (CPP) e convoca um debate nacional para discutir o futuro do país. Reuniões e encontros se intensificam entre representantes do governo e rebeldes nos países africanos (Zâmbia, Angola, Namíbia, Zimbábue, Ruanda e Uganda), o que levou ao Acordo de Lusaka, assinado por todos os beligerantes.
Em 08 de janeiro de 2001, Laurent Kabila é assassinado e seu filho Joseph Kabila é nomeado seu sucessor na presidência da República. Em sua resolução de 6 de agosto de 1999, o Conselho de Segurança da ONU envia a Monuc (Comissão da ONU na República Democrática do Congo) para supervisionar os esforços do cessar-fogo entre os beligerantes. Até o assassinato de Laurent-Désiré Kabila e a posse do seu filho Joseph Kabila, as tropas de sete países africanos se enfrentam no território da RDC: Zimbábue, Angola, Chade e Namíbia ao lado das tropas leais ao governo; Ruanda, Burundi e Uganda ao lado dos movimentos rebeldes. Essa presença pode ser caracterizada como uma violação flagrante dos princípios da ONU, pois considerada como violação do território e da soberania nacional. Temos aqui um prato cheio para os especialistas em Direito Internacional.
Fonte: A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO, Kabengele Munanga (Artigo)
Fonte: A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO, Kabengele Munanga (Artigo)
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